quinta-feira, janeiro 29, 2009
A animação num outro nível
Chama-se 9 e é uma animação incrível de Shane Acker, com produção de Tim Burton e Timur Bekmambetov. Só o trailer deixa-nos de boca aberta.
A segunda via
As polémicas podem ser bem interessantes de acompanhar. A mais recente envolve coisas tão distintas quanto o Second Life (filme de Alexandre Valente), o crítico João Lopes (aquele que mais respeito e admiro) e a realizadora de cinema Margarida Gil (minha ex-professora de faculdade).
Margarida Gil diz:
»»» "E ainda o inenarrável João Lopes agora armado em virgem púdica e luminária, grande educador da classe cinematográfica, ele que foi provavelmente o primeiro a trabalhar neste logro, que esmagou o que pôde de tudo o que lhe parecia para além dele próprio, e sobretudo o que fosse frágil e indefeso." «««
João Lopes responde:
»»» "Por mim, como sempre, continuo a defender o direito de filmar para alguém como Margarida Gil. Mesmo com filmes péssimos. Tenho consciência das profundas limitações — políticas, práticas e simbólicas — da minha intervenção pública. Mas já é tarde para desistir." «««
Sobre Second Life diz quem já viu (Lauro António):
»»» "A meio do filme, Pedro Lima grita, num acto de suprema lucidez: - “Foda-se! Foda-se! Foda-se!”
Tem razão. Foram as mais penosas três horas a que assisti do mais recente cinema português! (O quê, o filme só tem 82 minutos? Estranho, julgava que tinha 3 horas”).
Alguém disse à abrir que era “O filme do Ano!” e que “iria transformar o cinema português!” Acredito, mas não pelas razões invocadas. Pelas inversas." «««
--
Neste contexto, João Lopes traça ainda um cenário agreste da blogosfera nacional. Embora eu reconheça que se escreve muito e mal em muito lado, também se escreve muito bem em vários locais desta mesma blogosfera (é por aí que tento andar). Além do mais, parece-me que, por haver maior fluxo de gente a escrever, se nota mais essa degradação de que o João Lopes fala. É como a questão das notícias. A minha avó diz-me com frequência que o mundo actual é só mortes e desgraças, porque liga a televisão e é isso que vê. Mas, na verdade, antes também haviam desgraças, simplesmente eram bem menos mediatizadas.
Margarida Gil diz:
»»» "E ainda o inenarrável João Lopes agora armado em virgem púdica e luminária, grande educador da classe cinematográfica, ele que foi provavelmente o primeiro a trabalhar neste logro, que esmagou o que pôde de tudo o que lhe parecia para além dele próprio, e sobretudo o que fosse frágil e indefeso." «««
João Lopes responde:
»»» "Por mim, como sempre, continuo a defender o direito de filmar para alguém como Margarida Gil. Mesmo com filmes péssimos. Tenho consciência das profundas limitações — políticas, práticas e simbólicas — da minha intervenção pública. Mas já é tarde para desistir." «««
Sobre Second Life diz quem já viu (Lauro António):
»»» "A meio do filme, Pedro Lima grita, num acto de suprema lucidez: - “Foda-se! Foda-se! Foda-se!”
Tem razão. Foram as mais penosas três horas a que assisti do mais recente cinema português! (O quê, o filme só tem 82 minutos? Estranho, julgava que tinha 3 horas”).
Alguém disse à abrir que era “O filme do Ano!” e que “iria transformar o cinema português!” Acredito, mas não pelas razões invocadas. Pelas inversas." «««
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Neste contexto, João Lopes traça ainda um cenário agreste da blogosfera nacional. Embora eu reconheça que se escreve muito e mal em muito lado, também se escreve muito bem em vários locais desta mesma blogosfera (é por aí que tento andar). Além do mais, parece-me que, por haver maior fluxo de gente a escrever, se nota mais essa degradação de que o João Lopes fala. É como a questão das notícias. A minha avó diz-me com frequência que o mundo actual é só mortes e desgraças, porque liga a televisão e é isso que vê. Mas, na verdade, antes também haviam desgraças, simplesmente eram bem menos mediatizadas.
terça-feira, janeiro 27, 2009
Evitar cinemas nacionais à sexta e sábado
Tudo indica que a maior parte dos portugueses costuma ir ao cinema aos sábados. Não me lembro da última vez que fui ao cinema ao sábado. Ainda bem. Evitei a hora de ponta nos cinemas portuguesas. A última vez foi mesmo ao domingo à noite, altura em que a maior parte dos tugas (conheci na sexta-feira um italiano que nos chamava repetidamente tugas) quer é ficar em casa descansadinho a preparar-se mentalmente para o que aí vem na segunda: o temido regresso ao trabalho. Felizmente já há bastante tempo que me deixei desses domingos à noite onde se pensa
"raios, amanhã volta tudo ao normal". Agora os domingos é mais: "raios, tenho de levantar o cú da cama e almoçar porque daqui a bocado entro ao trabalho". Curiosamente acho que sempre me custou mais a primeira opção. Tem dias.
Portugueses preferem sábado para ir ao cinema
A Marktest divulgou recentemente os resultados relativos ao ano 2008 do seu estudo Bareme Cinema. Os dados mostram que, entre os residentes no Continente com 15 e mais anos, 2 481 mil costumam ir ao cinema. Este valor representa 29.9% do universo em estudo, mas apresenta uma grande diferenciação quando analisada a idade dos entrevistados. Entre os jovens dos 15 aos 17 anos, 66.1% afirma ter o hábito de ir ao cinema, tal como 66.5% dos jovens entre os 18 e os 24 anos. Uma análise do perfil dos indivíduos que costumam ir o cinema mostra que 50.9% são mulheres, 68.3% são jovens com menos de 35 anos, 43.4% são estudantes ou quadros médios e superiores, 43.2% residem na Grande Lisboa ou Litoral Norte e 59.0% pertencem às classes sociais média ou média baixa.
O Bareme Cinema indica que o sábado é o dia preferido dos portugueses para frequentar salas de cinema. Os dados mostram que 33.8% dos inquiridos que referem ter o hábito de ir ao cinema afirma não ter um dia preferido. Mas os que indicam uma preferência optam pelo sábado - 28.1% dos espectadores do meio.
A sexta-feira é o outro dia mais referido, com 14.0% de preferências, seguido do domingo, com 10.1%. A segunda-feira foi referida por 8.3% dos entrevistados neste estudo, havendo ainda 5.6% deles que afirmou estar entre 3ª e 5ª feira o dia que preferem para assistir a espectáculos de sétima arte.
"raios, amanhã volta tudo ao normal". Agora os domingos é mais: "raios, tenho de levantar o cú da cama e almoçar porque daqui a bocado entro ao trabalho". Curiosamente acho que sempre me custou mais a primeira opção. Tem dias.
Portugueses preferem sábado para ir ao cinema
A Marktest divulgou recentemente os resultados relativos ao ano 2008 do seu estudo Bareme Cinema. Os dados mostram que, entre os residentes no Continente com 15 e mais anos, 2 481 mil costumam ir ao cinema. Este valor representa 29.9% do universo em estudo, mas apresenta uma grande diferenciação quando analisada a idade dos entrevistados. Entre os jovens dos 15 aos 17 anos, 66.1% afirma ter o hábito de ir ao cinema, tal como 66.5% dos jovens entre os 18 e os 24 anos. Uma análise do perfil dos indivíduos que costumam ir o cinema mostra que 50.9% são mulheres, 68.3% são jovens com menos de 35 anos, 43.4% são estudantes ou quadros médios e superiores, 43.2% residem na Grande Lisboa ou Litoral Norte e 59.0% pertencem às classes sociais média ou média baixa.
O Bareme Cinema indica que o sábado é o dia preferido dos portugueses para frequentar salas de cinema. Os dados mostram que 33.8% dos inquiridos que referem ter o hábito de ir ao cinema afirma não ter um dia preferido. Mas os que indicam uma preferência optam pelo sábado - 28.1% dos espectadores do meio.
A sexta-feira é o outro dia mais referido, com 14.0% de preferências, seguido do domingo, com 10.1%. A segunda-feira foi referida por 8.3% dos entrevistados neste estudo, havendo ainda 5.6% deles que afirmou estar entre 3ª e 5ª feira o dia que preferem para assistir a espectáculos de sétima arte.
My name is Harvey Milk
Milk
Um filme que não vemos todos os dias.
Milk tem o condão de nos colocar dentro de uma comunidade em efervescência pelos seus direitos, numa altura em que não os tinha. Foi há meros 30 anos, mas parecem ter sido há 100. Sean Penn deixa de ser Sean Penn e parece mesmo encarnar nesta personagem que aos 40 anos decide fazer algo com a sua vida, algo que se possa orgulhar: Harvey Milk. Se há força que o filme consegue transmitir é a intensidade das convicções de alguém que é diferente (pelos padrões mais estandartizados da sociedade), neste caso homossexual, e tem a coragem e espiríto de sacríficio para assumir-se tal e qual como é - tudo em prol do seu direito a ser diferente.
Milk resulta num grande pedaço de cinema moralizador e galvanizador, que é capaz de tirar do "armário" os poucos homossexuais da actualidade que ainda não terão assumido - ou melhor, que escondem as suas preferências sexuais.
Na verdade neste Milk todos nos sentimos gays. O filme tem a qualidade de fazer daquela causa uma causa nossa, quer sejamos ou não homossexuais. A energia daquela batalha é enorme e aquilo que une aqueles homens (e mulheres - embora sejam poucas as que aparecem) diz respeito a algo tão precioso como as suas liberdades individuais.
A capacidade desta história contada por Gus Van Sant extravasa o mero facto de ser sobre o primeiro político em cargo público assumidamente homossexual e é esse o seu grande trunfo e é por isso que é um filme para estar nos Óscares - tal como Doubt o é (infelizmente não está nas categorias de Melhor Filme e Realizador).
Mr Frost vs. Mr. Nixon
Frost / Nixon
Ora aí está um filme com uma premissa que pode parecer pouco entusiasmante, mas cujo enredo, realização (de Ron Howard) e interpretações dão uma dimensão gigantesca do ponto de vista humano a todo este exercício que culmina com uma entrevista que é, como diz a personagem de Richard Nixon a certa altura: "um duelo".
Frank Langella está assustadoramente verosímil como Nixon e parece-me que tem uma justa nomeação para os Óscares. Todos conhecemos, que mais não seja fisicamente, Richard Nixon. Seria sempre difícil representar alguém tão conhecido, mas Langella "agarra" todas as características fundamentais (e menos cómicas e caricaturais de George W. Bush, que Josh Brolin interpretou recentemente) de Nixon, desde a postura física marreca, grande mas frágil, como a força das mãos. Mas o que se distingue é mesmo o olhar. Aquele olhar é impressionante.
O filme ganha uma força incrível nos últimos momentos da longa entrevista (3 dias) de Nixon ao performer em talk shows David Frost. A força dramática daquilo que era um exercício de controlo por parte de Nixon e se torna num verdadeiro duelo das palavras traz alma ao filme.
Existe depois todo um elenco que consideraria perfeito para dar consistência ao filme. Se Michael Sheen consegue articular com mestria um entrevistador pouco convincente que se torna em grandioso, Sam Rockwell (confirma-se, não é só bom em comédias), Kevin Bacon, Matthew Macfadyen e Oliver Platt dão maior cor ao elenco.
Curioso a bela Rebecca Hall, protagonista de Vicky Cristina Barcelona (onde mostrou ter grande talento) também aparecer, como namorada de Frost.
Adorei pormenores deliciosos como:
1) Nixon não se lembrar da conversa telefónica com Frost no dia anterior à última entrevista
2) A utilização do comentário dos sapatos italianos sem atacadores ("um bocado efeminados") para desestabilizar na entrevista Frost; e a oferta desse tipo de sapatos que Frost faz já no final a Nixon.
3) Ron Howard ter exigido que os mesmos actores que foram os protagonistas da peça na Broadway fossem os protagonistas do filme. Ainda bem.
sábado, janeiro 24, 2009
Qual Second Life?
Alexandre Valente, produtor de cinema virado agora em semi-realizador faz-me comichão.
O Mamilo de Cláudia Vieira
Só o João Lopes para falar no pudor estranho que parece ter atingido o cartaz do filme de Nicolau Breyner, Contrato. A análise é pertinente, mas tem ainda como mérito a observação do mamilo de Cláudia Vieira.
segunda-feira, janeiro 19, 2009
O envelhecimento de Mr. Button
A magia técnica de O Estranho Caso de Benjamin Button é enorme e está ao longo de vários momentos do filme. O melhor desta "magia técnica" é que não se nota no filme e é credível. Ver várias fotos do processo de envelhecimento de Brad Pitt no NYTimes. Também no mesmo jornal está uma retrospectiva em como o cinema contribuiu para um presidente negro ser eleito.
A pergunta legítima
domingo, janeiro 18, 2009
O relógio que anda para trás
Já passei muitas horas da minha vida a analisar, ao pormenor (com gosto), as cenas iniciais e as cenas finais do filme Clube de Combate, do brilhante David Fincher. Já que estava embalado também voltei a espreitar com pormenor e repetidamente algumas cenas memoráveis do resto do filme - se a parte técnica era impressionante, a outra parte ainda era mais. A temática mexia e mexe comigo, especialmente naquela altura da minha vida, em que vi aquelas imagens em movimento incapazes de entrar num género específico de cinema.
O Estranho Caso de Benjamin Button (outro que não entra numa categoria cinematográfica em específico) era mais um desses filmes em que uma análise cuidada só saberia bem. É incrível como há filmes que têm tanto 'sumo' temático, simbólico e introspectivo em tão poucos minutos. Há filmes que valeria a pena analisar e pensar sobre eles e o que nos dizem durante horas, dias, semanas. Poderiam-se fazer tertúlias para falar de grandes filmes deste tipo. Não me refiro aos clássicos (já existem tertúlias para eles), mas sim a filmes acabados de estrear. Poderia-se falar do que eles significam, que alcance têm, o que eles não significam e, acima de tudo, que perspectiva têm eles da vida, enquanto dádiva que "está a acabar, um minuto de cada vez" (in Clube de Combate).
Não é todos os dias nem com todos os filmes que passamos uma noite inteira a pensar no alcance que tiveram em nós, a ter monólogos interiores sobre os temas que eles desencantam e aprofundam.
David Fincher é um desses tipos que nos quer dar que pensar seriamente sobre temas tão básicos quanto fundamentais e raros, com peso e medida. Fê-lo com Clube de Combate, com Se7en, eo agora com este senhor, Benjamin Button. Pegou numa história simples dos anos 20, sobre um homem que nasceu ao contrário (velho) e cresceu a tornar-se fisicamente mais novo, e deu-nos toda essa dimensão antropológica gigantesca que é o tempo e a forma como o ocupamos.
Um dos pormenores mais maravilhosos deste Benjamin Button (o filme) é breve mas significativo. Trata-se do relógio que o fabricante de relógios faz para por na estação de comboios. O seu filho tinha acabado de morrer na I Guerra Mundial. Ele fez o relógio a contar o tempo ao contrário, como sinal do seu desejo interior de que o tempo voltasse para trás, que o seu filho voltasse para a vida.
Esse é o ponto de partida perfeito para um filme sobre um homem que vive no sentido inverso ao que costumamos viver. Da mesma maneira como o facto deste Benjamin crescer num lar de idosos é o sítio perfeito para uma criança com aspecto de velhote poder ganhar uma dimensão única da morte e, acima de tudo, da vida.
O tom ponderado com que Brad Pitt narra o filme e interpreta este Benjamin Button é a cereja no topo do bolo.
E onde nos leva este épico de emoções e sensações? Para onde quisermos ir. O pensamento é nosso. Ali estão dadas as cartas. Benjamin relacionou-se sempre de forma diferente com as pessoas, como se confiasse nelas mas com uma certa equidistância. Como se soubesse que estava escrito que tinha que ter certa experiência, que devia entregar-se a ela sem grande espalhafato, e estar preparado para o seu fim, que seria certo como a vida e a morte. É um homem de emoções... contidas. Um homem que vive ao contrário, logo que está preparado para o turbilhão de emoções que é a vida, mesmo que nunca por lá tenha passado ainda.
É essa clarividência que torna as suas relações com as outras pessoas especial. Até no amor que nutre parece que ele sabe que os desencontros motivados pela sua condição 'curiosa' ou 'especial' vão dar a uma época de encontros. Há uma sensação de já ter vivido a vida, mesmo sem nunca a ter vivido.
Há semelhanças com o filme Forrest Gump, na forma como Benjamin influencia e se relaciona com as pessoas incríveis que vai conhecendo. As pessoas que ele vai conhecendo tornam-se especialmente incríveis depois de passarem pela sua vida. Passamos a conhecê-las.
É um fenómeno curioso, a forma como os filmes e os seus momentos singulares podem nos dar tanto que pensar, recordar e experienciar. Estranho que uns minutos numa sala de cinema possam ter o peso de uma grande, intensa e bela viagem ao mundo de sonhos e experiências inesquecíveis.
PS: Pelo que li há pessoas (críticos) que acham o filme longe de ser perfeito: longo de mais e com partes pouco convincentes. A premissa não é das mais fáceis de assimilar, é certo. É ficção pura e dura. Agora a mim arrebatou-me por completo, aceito que a outros não cumpra.
ACT:
Descobri via a Izzi esta preciosidade de 55 minutos sobre o filme O Estranho Caso de Benjamin Button. Trata-se de entrevista única a Fincher e Pitt, uma espécie de tertúlia (afinal existe!) sobre o filme:
O Estranho Caso de Benjamin Button (outro que não entra numa categoria cinematográfica em específico) era mais um desses filmes em que uma análise cuidada só saberia bem. É incrível como há filmes que têm tanto 'sumo' temático, simbólico e introspectivo em tão poucos minutos. Há filmes que valeria a pena analisar e pensar sobre eles e o que nos dizem durante horas, dias, semanas. Poderiam-se fazer tertúlias para falar de grandes filmes deste tipo. Não me refiro aos clássicos (já existem tertúlias para eles), mas sim a filmes acabados de estrear. Poderia-se falar do que eles significam, que alcance têm, o que eles não significam e, acima de tudo, que perspectiva têm eles da vida, enquanto dádiva que "está a acabar, um minuto de cada vez" (in Clube de Combate).
Não é todos os dias nem com todos os filmes que passamos uma noite inteira a pensar no alcance que tiveram em nós, a ter monólogos interiores sobre os temas que eles desencantam e aprofundam.
David Fincher é um desses tipos que nos quer dar que pensar seriamente sobre temas tão básicos quanto fundamentais e raros, com peso e medida. Fê-lo com Clube de Combate, com Se7en, eo agora com este senhor, Benjamin Button. Pegou numa história simples dos anos 20, sobre um homem que nasceu ao contrário (velho) e cresceu a tornar-se fisicamente mais novo, e deu-nos toda essa dimensão antropológica gigantesca que é o tempo e a forma como o ocupamos.
Um dos pormenores mais maravilhosos deste Benjamin Button (o filme) é breve mas significativo. Trata-se do relógio que o fabricante de relógios faz para por na estação de comboios. O seu filho tinha acabado de morrer na I Guerra Mundial. Ele fez o relógio a contar o tempo ao contrário, como sinal do seu desejo interior de que o tempo voltasse para trás, que o seu filho voltasse para a vida.
Esse é o ponto de partida perfeito para um filme sobre um homem que vive no sentido inverso ao que costumamos viver. Da mesma maneira como o facto deste Benjamin crescer num lar de idosos é o sítio perfeito para uma criança com aspecto de velhote poder ganhar uma dimensão única da morte e, acima de tudo, da vida.
O tom ponderado com que Brad Pitt narra o filme e interpreta este Benjamin Button é a cereja no topo do bolo.
E onde nos leva este épico de emoções e sensações? Para onde quisermos ir. O pensamento é nosso. Ali estão dadas as cartas. Benjamin relacionou-se sempre de forma diferente com as pessoas, como se confiasse nelas mas com uma certa equidistância. Como se soubesse que estava escrito que tinha que ter certa experiência, que devia entregar-se a ela sem grande espalhafato, e estar preparado para o seu fim, que seria certo como a vida e a morte. É um homem de emoções... contidas. Um homem que vive ao contrário, logo que está preparado para o turbilhão de emoções que é a vida, mesmo que nunca por lá tenha passado ainda.
É essa clarividência que torna as suas relações com as outras pessoas especial. Até no amor que nutre parece que ele sabe que os desencontros motivados pela sua condição 'curiosa' ou 'especial' vão dar a uma época de encontros. Há uma sensação de já ter vivido a vida, mesmo sem nunca a ter vivido.
Há semelhanças com o filme Forrest Gump, na forma como Benjamin influencia e se relaciona com as pessoas incríveis que vai conhecendo. As pessoas que ele vai conhecendo tornam-se especialmente incríveis depois de passarem pela sua vida. Passamos a conhecê-las.
É um fenómeno curioso, a forma como os filmes e os seus momentos singulares podem nos dar tanto que pensar, recordar e experienciar. Estranho que uns minutos numa sala de cinema possam ter o peso de uma grande, intensa e bela viagem ao mundo de sonhos e experiências inesquecíveis.
PS: Pelo que li há pessoas (críticos) que acham o filme longe de ser perfeito: longo de mais e com partes pouco convincentes. A premissa não é das mais fáceis de assimilar, é certo. É ficção pura e dura. Agora a mim arrebatou-me por completo, aceito que a outros não cumpra.
ACT:
Descobri via a Izzi esta preciosidade de 55 minutos sobre o filme O Estranho Caso de Benjamin Button. Trata-se de entrevista única a Fincher e Pitt, uma espécie de tertúlia (afinal existe!) sobre o filme:
'Bora' fazer um porno?
Um dos filmes mais divertidos que vi nos últimos meses é este Zack and Miri Make a Porno, com o inimitável Seth Rogen e escrito e realizado pelo incrivelmente curioso Kevin Smith.
O filme parte do conceito improvável de dois amigos (Rogen e a bela Elisabeth Banks) de longa data que vivem e trabalham juntos num café, sem grande ideia de futuro. Quando ficam sem dinheiro, como última alternativa decidem fazer um filme pornográfico para poder pagar as contas. A ideia revela-se uma caixinha de surpresas, repleta de criatividade em torno do mundo pornográfico, não sendo, ainda assim, um filme pornográfico. Há ainda uma bela história de amor.
Aconselho.
sábado, janeiro 17, 2009
Remakes para todos os gostos
Vêm ai remakes entusiasmantes. Vamos lá ver se chegam mesmo às salas de cinema.
segunda-feira, janeiro 12, 2009
Globos de Ouro britânicos
Os Globos de Ouro trouxeram as primeiras grandes surpresas da grande corrida aos Óscares. Costuma-se dizer que os Globos são a principal antevisão dos Óscares. Mas se as nomeações dos prémios da Associação de Imprensa Estrangeira já tinham tido surpresas, os distinguidos ainda tiveram mais, nomeadamente no que aos filmes independentes diz respeito - o grande vencedor, Slumdog Millionaire é um filme inglês falado em indiano!
Se os Óscares tiverem o mesmo tipo de resultados é um ano muito diferente do habitual. O que eu não acredito é que os Óscares entrem pelo mesmo diapasão que os Globos...
Dia 22 de Janeiro ficamos já a saber se as nomeações são prometedoras ou não, a 22 de Fevereiro chegam os resultados e a cerimónia.
Entretanto, esta madrugada foi britânica em toda a linha, com várias vitórias a falar com o sotaque inglês. As surpresas começaram pelo filme inglês Slumdog Millionaire, do talentoso Danny Boyle. O filme do realizador de pérolas como Trainspotting ou A Praia aborda a vida de um indiano que vence a versão hindu do concurso Quem Quer ser Milionário e é suspeito de ter feito batota - conquistou os prémios mais desejados de Melhor Drama, Argumento (queria tanto que vencesse o filme Doubt) e Melhor Realizador (no total foram quatro Globos).
Bateu os muito elogiados e de realizadores muito experientes como o incrível The Curious Case of Benjamin Button e ainda Frost/Nixon, The Reader e Revolutionary Road.
O "troféu" de Melhor Comédia ou Musical para Vicky Cristina Barcelona não trouxe grandes surpresas, embora eu achasse que Happy-Go-Lucky fosse mais favorito. É o regresso de Woody Allen aos elogios de Hollywood, finalmente! Talvez assim se reconcilie com a sua pátria depois das experiências por Londres e Barcelona (sempre com a nova musa Scarlett Johansson).
As interpretações ficaram marcadas pelos dois Globos à inglesa Kate Winslet, o que é incrível. Foi a Melhor Actriz num Drama e Melhor Actriz Secundária, dois prémios que a levaram a pedir desculpa às outras actrizes, incluindo "aquela que não me lembro o nome"... "isso, a Angelina". Os ingleses não ficaram por aqui e Sally Hawkins foi a Melhor Actriz numa Comédia, o irlandês Colin Farrell venceu como Melhor Actor numa Comédia (pelo muito independente e que passou algo despercebido In Bruges).
O apresentador mais cómico foi ainda outro inglês, Ricky Gervais (já se fala nele como possível apresentador dos Óscares para o ano, merece). Gervais protagonizou o momento mais divertido: disse que nem ter ido “para a cama” com os jornalistas votantes o ajudou a ser nomeado.
Destaque ainda para o regresso vindo da "rua" (foi sem abrigo) de Mickey Rourke, que levou o Globo de Melhor Actor num Drama. O momento mais tocante foi o prémio de Melhor Secundário, que foi para o malogrado Heath Ledger – o realizador Chris Nolan recebeu o Globo em seu nome.
Fiquei ainda feliz por Ana Paquin (da estranha e deliciosa série True Blood) ter ganho o prémio de Melhor Actriz de uma série Dramática.
Golden Globe Winners
quinta-feira, janeiro 08, 2009
In David Fincher We Trust
Confirma-se, David Fincher é um realizador de outro mundo. The Curious Case of Benjamin Button é um dos filmes do ano, que ainda agora começou, e daquele que acabou de passar. No topo. É mágico e refrescantemente inspirador. Fazia falta. Depois de Sete Pecados Mortais e do estonteante (que está no meu Top5) Clube de Combate, Fincher volta a abalar o meu mundo. Venham mais.
--
Certo é que Fincher não vai repetir fórmulas e quer testar novos géneros e tipos de filmes. Ainda bem. O cunho dele está lá sempre. Em resposta à pergunta se irá haver sequela de Sete Pecados Mortais, Fincher, o homem que disse "I didn't want to go to film school. I didn't know what the point was. The fact is, you don't know what directing is until the sun is setting and you've got to get five shots and you're only going to get two."; voltou a mostrar do que é feito:
"I would be less interested in that than I would in having cigarettes put out in my eyes. I keep trying to get out from under my own shadow. I don't want to do the same shit over and over."
Outra frase digna de memória:
"I don't know how much movies should entertain. To me, I'm always interested in movies that scar. The thing I love about Jaws (1975) is the fact that I've never gone swimming in the ocean again."
domingo, janeiro 04, 2009
Cinemas que chegaram ao Fim
The End.
O Fim.
Le Fin.
Finale.
As salas de cinema também têm os seus próprios fins. Encontrei este site curioso com fotos de algumas salas que deixaram de existir (fora de Portugal). Por cá poderiamos juntar fotos do mítico Quarteto, dos cinemas Império (agora a sede da culto-empresa IURD nacional) e do Estúdio Um (nas Caldas da Rainha).
Todos eles, casos a lamentar.
Pelo "continente" australiano
Australia.
Baz Luhrmann retrata o passado recente (durante a II Guerra Mundial) da sua pátria, num épico que procura trazer o espírito dos grandes clássicos como E Tudo o Vento Levou, mas não passa de um filme curioso e que entretém sem, no entanto, cativar por completo. Sabe a pouco. O que é pena.
Ainda assim e para além do romance entre Hugh Jackman competente (mas teria mais intensidade com Russel Crowe) e uma Nicole Kidman demasiado "perfeita", "sobra" um contexto muito duro para os aborígenes que é o que dá maior alento e força ao enredo. Foi uma boa opção dar protagonismo ao jovem mestiço (chamam-lhes Creamys no filme) Brandon Walters. Um miúdo de origem aborígena com 12 anos, sem qualquer experiência no cinema, e que é o maior achado do filme. Ele e a incrível paisagem australiana, repleta de riquezas e espaço sem fim. Não é por acaso que, ainda hoje, a Austrália, um autêntico continente por si só, é o país do mundo (com mais de 3 milhões de habitantes, tem 21) com menor número de pessoas a viver por km2. São 2,8 pessoas por cada Km2.
O filme conseguiu ainda reunir um leque de actores australianos conhecidos, sem correr o risco de os colocar a todos.
As críticas têm sido mistas e variadas. Oscilam entre o "muito bom" e o "muito mau". Destaco esta do The Guardian:
"The skin on my face became as tense and inert as Kidman's forehead. My whole face was as taut as a snare drum, or the back of a saddleback pig. The roof of my mouth became locked as I tried to give a traumatised whinny of distress: "Nggg ... ngggg ..." Right back at me came Kidman's English accent"
Peter Bradshaw