<$BlogRSDURL$>

domingo, janeiro 18, 2009

O relógio que anda para trás 

Já passei muitas horas da minha vida a analisar, ao pormenor (com gosto), as cenas iniciais e as cenas finais do filme Clube de Combate, do brilhante David Fincher. Já que estava embalado também voltei a espreitar com pormenor e repetidamente algumas cenas memoráveis do resto do filme - se a parte técnica era impressionante, a outra parte ainda era mais. A temática mexia e mexe comigo, especialmente naquela altura da minha vida, em que vi aquelas imagens em movimento incapazes de entrar num género específico de cinema.

O Estranho Caso de Benjamin Button (outro que não entra numa categoria cinematográfica em específico) era mais um desses filmes em que uma análise cuidada só saberia bem. É incrível como há filmes que têm tanto 'sumo' temático, simbólico e introspectivo em tão poucos minutos. Há filmes que valeria a pena analisar e pensar sobre eles e o que nos dizem durante horas, dias, semanas. Poderiam-se fazer tertúlias para falar de grandes filmes deste tipo. Não me refiro aos clássicos (já existem tertúlias para eles), mas sim a filmes acabados de estrear. Poderia-se falar do que eles significam, que alcance têm, o que eles não significam e, acima de tudo, que perspectiva têm eles da vida, enquanto dádiva que "está a acabar, um minuto de cada vez" (in Clube de Combate).

Não é todos os dias nem com todos os filmes que passamos uma noite inteira a pensar no alcance que tiveram em nós, a ter monólogos interiores sobre os temas que eles desencantam e aprofundam.

David Fincher é um desses tipos que nos quer dar que pensar seriamente sobre temas tão básicos quanto fundamentais e raros, com peso e medida. Fê-lo com Clube de Combate, com Se7en, eo agora com este senhor, Benjamin Button. Pegou numa história simples dos anos 20, sobre um homem que nasceu ao contrário (velho) e cresceu a tornar-se fisicamente mais novo, e deu-nos toda essa dimensão antropológica gigantesca que é o tempo e a forma como o ocupamos.

Um dos pormenores mais maravilhosos deste Benjamin Button (o filme) é breve mas significativo. Trata-se do relógio que o fabricante de relógios faz para por na estação de comboios. O seu filho tinha acabado de morrer na I Guerra Mundial. Ele fez o relógio a contar o tempo ao contrário, como sinal do seu desejo interior de que o tempo voltasse para trás, que o seu filho voltasse para a vida.

Esse é o ponto de partida perfeito para um filme sobre um homem que vive no sentido inverso ao que costumamos viver. Da mesma maneira como o facto deste Benjamin crescer num lar de idosos é o sítio perfeito para uma criança com aspecto de velhote poder ganhar uma dimensão única da morte e, acima de tudo, da vida.
O tom ponderado com que Brad Pitt narra o filme e interpreta este Benjamin Button é a cereja no topo do bolo.

E onde nos leva este épico de emoções e sensações? Para onde quisermos ir. O pensamento é nosso. Ali estão dadas as cartas. Benjamin relacionou-se sempre de forma diferente com as pessoas, como se confiasse nelas mas com uma certa equidistância. Como se soubesse que estava escrito que tinha que ter certa experiência, que devia entregar-se a ela sem grande espalhafato, e estar preparado para o seu fim, que seria certo como a vida e a morte. É um homem de emoções... contidas. Um homem que vive ao contrário, logo que está preparado para o turbilhão de emoções que é a vida, mesmo que nunca por lá tenha passado ainda.
É essa clarividência que torna as suas relações com as outras pessoas especial. Até no amor que nutre parece que ele sabe que os desencontros motivados pela sua condição 'curiosa' ou 'especial' vão dar a uma época de encontros. Há uma sensação de já ter vivido a vida, mesmo sem nunca a ter vivido.
Há semelhanças com o filme Forrest Gump, na forma como Benjamin influencia e se relaciona com as pessoas incríveis que vai conhecendo. As pessoas que ele vai conhecendo tornam-se especialmente incríveis depois de passarem pela sua vida. Passamos a conhecê-las.
É um fenómeno curioso, a forma como os filmes e os seus momentos singulares podem nos dar tanto que pensar, recordar e experienciar. Estranho que uns minutos numa sala de cinema possam ter o peso de uma grande, intensa e bela viagem ao mundo de sonhos e experiências inesquecíveis.



PS: Pelo que li há pessoas (críticos) que acham o filme longe de ser perfeito: longo de mais e com partes pouco convincentes. A premissa não é das mais fáceis de assimilar, é certo. É ficção pura e dura. Agora a mim arrebatou-me por completo, aceito que a outros não cumpra.



http://www.filmschoolrejects.com/images/benjamin-button-booknew.jpg






ACT:
Descobri via a Izzi esta preciosidade de 55 minutos sobre o filme O Estranho Caso de Benjamin Button. Trata-se de entrevista única a Fincher e Pitt, uma espécie de tertúlia (afinal existe!) sobre o filme:


Comments:
Eu adorei o filme! Mas acho que, correndo o risco de parecer que não o entendi o filme à primeira, preciso de o ver uma segunda vez. Parece-me difícil assimilar a experiência de uma pessoa que nasce e se vai tornando velha num corpo que nasce velho e caquético e se vai tornando cada vez mais novo - pelo menos é um conceito que não acho fácil à primeira, especialmente com tanta coisa que acontece ao mesmo tempo, como as outras vidas que também se desenvolvem e envelhecem ao lado de Benjamin.
 
Ainda não assisti o filme, me parece interessante.
Uma dica Izzi, que aprendi com um professor de Física na escola.
Quando algo lhe parece difícil de entender, comece a aceitar.
 
Enviar um comentário

This page is powered by Blogger. Isn't yours?