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sexta-feira, maio 09, 2008

Goodnight Irene visto pelos olhos de quem o fabricou 









fotos da talentosa Mónica Moitas



Há cerca de três semanas atrás fiz uma entrevista para o jornal Mundo Universitário a Nuno Lopes e Paolo-Marinou Blanco, protagonista e realizador do filme português Goodnight Irene. Aqui fica a versão completa dessa mesma entrevista, que é publicada na segunda-feira e é possível espreitar aqui a partir desse dia. Para saber mais sobre o filme explico tudo por aqui.


«Houve uma química muito especial no filme e na vida real»

Chama-se Goodnight Irene é um dos filmes portugueses mais prometedores dos últimos anos. Conta a história de um velho inglês e de um jovem português cujo fascínio pela intensa Irene irá torná-los improváveis amigos. O filme estreia já na quinta-feira. Protagonista, Nuno Lopes e realizador, Paolo Marinou-Blanco estiveram à conversa com o MU sobre a experiência «inesquecível». Tudo isto teve como pano de fundo o templo do cinema que é a Cinemateca.



Depois de já terem rodado e produzido o filme e agora que estão a dias da estreia, o que é Goodnight Irene significou para vocês?
NUNO Para mim foi muito mau (risos).
PAOLO …Querem que me vá embora? (risos)
NUNO Para já, desde o Alice nunca mais tinha feito cinema e quando rodei este filme já tinham passado três anos desde a última vez. Foi um regresso ao cinema, que eu tinha muita vontade que acontecesse. Já tinha recebido convites, uns que declinei por falta de tempo, outros porque os projectos não me interessavam. E com o Goodnight Irene apareceu o filme que me apetecia fazer até porque havia uma expectativa grande da minha parte. Houve ainda o lado de voltar a trabalhar com uma pessoa que está a fazer uma primeira obra, que eu acho interessante, porque estás a descobrir as coisas ao mesmo tempo que o realizador e sentes que estás a fazer parte de algo muito importante para ele.
PAOLO O Nuno tem razão quando diz a primeira obra é de uma importância muito grande para um realizador. Uma pessoa encara como se fosse o único filme que fosse fazer. Tudo tem uma importância de vida ou de morte. Agora, olhando para trás, o que achei mais fantástico foi sentir que todos trabalharam na mesma direcção. Isso tinha-me preocupado no início, mas desde os actores à equipa técnica, senti que éramos realmente uma equipa a trabalhar para o mesmo objectivo, que parecia ser maior do que nós. Apesar de ter sido eu a engendrar tudo aquilo, sentia-me apenas mais uma peça. Essa sensação de família intelectual e criativa foi muito especial e inesquecível.


Como é que surgiu a ideia para o Goodnight Irene?
PAOLO A maioria das ideias que tenho surgem de imagens muito simples. A partir daí faço quase um trabalho de detective a perceber porque a imagem é importante para mim. Neste caso tinha presente a imagem de duas personagens, Alex e Bruno, que estavam numa casa que não era deles. O Alex, mais velho, estava numa cadeira de rodas e o Bruno a empurrá-lo ao som de música, quase a fazê-lo dançar. No fundo soube quem eram as personagens, havia uma interdependência emocional entre dois homens sozinhos e individuais que estavam à vontade numa casa que não era deles.
NUNO Aliás, essa cena está no filme.


Nuno, como definirias a personagem do Bruno e o que deste de ti a ele?
NUNO O Bruno é muito solitário. Foi abandonado e isso tem uma marca muito importante na vida dele. E no cerne do personagem parece existir uma vontade de voltar a ter uma família, uma casa. Conscientemente o Bruno recusa isso e faz o contrário: esconde-se do mundo e isola-se. Esses dois lados confrontam-se e explodem nos assaltos dele às casas dos outros, que é como se fosse uma droga para poder sentir-se parte de uma família. A partir do momento em que a Irene entra na vida do Bruno e do Alex, eles percebem que a vida deles já não pode ser a mesma, porque passam a falar com outra pessoa e precisam disso. Quando ela desaparece, isso passa a focar-se um no outro e começam-se a aproximar.


Existe uma relação forte no filme entre o Alex, interpretado pelo experiente Robert Pugh, e o Bruno. Foi fácil criar isso com alguém tão experiente?
NUNO
Havia um certo receio da minha parte em trabalhar com o Robert. Nunca tinha trabalhado em cinema com um actor estrangeiro e sei que a cultura pode influenciar. Além disso, o Robert tinha uma experiência gigante e trabalhado com pessoas que admiro. E era fundamental para o filme que a nossa relação funcionasse e houvesse cumplicidade. No início parecia haver um certo distanciamento que se foi quebrando com a rodagem e com o juntar dos dois personagens, até que passou a haver uma química muito especial no filme e na vida real. Começámo-nos a dar cada vez melhor e na rodagem em Espanha já nos divertíamos que nem loucos e éramos melhores amigos.
PAOLO Estavam sempre na brincadeira (risos). Uma vez, em Espanha, tivemos um problema de luz e foi necessário conduzir o carro em que iam o Nuno e o Robert durante duas horas, à procura do melhor local. Normalmente os actores sairiam do carro para estarem mais confortáveis. Mas eles ficaram lá na conversa a rir constantemente todo aquele tempo!


Do que é que falaram tanto?
NUNO
Falámos muito pouco de cinema, curiosamente.
PAOLO Foi mais Kant e Nietzsche (risos)
NUNO (risos) Acabou por ser mais situações da vida, histórias daquela rodagem e de rodagens anteriores. O Robert tem imensas histórias incríveis de rodagens, inclusive do Master & Commander… mas não sei se posso contar… (risos).


Porque é que o nome do filme mudou já depois da rodagem de Olho Negro para Goodnight Irene?
PAOLO
Quando entrámos na rodagem o título já não fazia muito sentido porque as cenas que o justificavam tinham sido retiradas do guião. Só comecei a pensar num novo título na fase final da montagem. Como a Irene é a catalisadora da história, achei que era bom inclui-la no título. E depois a música folk americana Goodnight Irene surgiu na rodagem de forma espontânea, não existia no guião.
NUNO A canção era o Robert que conhecia, eu só o acompanhei. Começámos a cantá-la no chão do Terreiro do Paço.
PAOLO Durante muito tempo, na montagem, não pensava incluir essa cena em que eles cantam juntos. Mas acabei por usar porque me agrada essa parte da espontaneidade e parecia um bom título. Houve bastante contributo dos actores.

Paolo, acha que era fácil encontrar duas personagens assim na baixa de Lisboa?
PAOLO
Acho que sim. O Alex faz locução para guias turísticos e isso existe. Fui actor da companhia Lisbon Players. E havia uma série de ex-patriados, que tinham sido actores e ganhavam a vida a fazer narrações. Foi a base para a mecânica da personagem do Alex. O Nuno faz chaves e é um português típico com traumas muito particulares.


Como é que o experiente Robert Pugh entrou para este filme?
PAOLO
Tivémos de suborná-lo (risos)… Fizemos um casting em Londres e havia muito a atitude de alguns agentes de actores do tipo “quem és tu?” Houve dificuldade e estranheza por ser um filme português a tentar arranjar um actor com alguma experiência e por ser um realizador estreante. A escolha acabou por ser fácil. No fundo o Robert era o melhor. A relação com ele foi óptima. No início foi algo mais profissional, mas imediatamente percebi não estava a lidar com uma vedeta no mau sentido do termo. E acho que ele ganhou confiança na minha realização e o sentido de humor dele aproximou-nos. Hoje somos amigos.


O filme passa-se quase todo no centro de Lisboa e num apartamento. Porque houve a necessidade de torná-lo, depois, num road movie até Espanha?
PAOLO
Era enfatizar a procura das duas personagens em busca da Irene. A Irene é o catalizador de uma busca em todos os sentidos. Da própria Irene, que desapareceu, e de uma proximidade com outras pessoas e a busca de algum sentido. Eles tinham de tomar esse último passo e sair desse quase casulo que era a casa da Irene.

Quais as expectativas que têm?
NUNO
Nunca espero muito. Gostava muito que as pessoas gostassem, mas nunca sei bem o que vão achar. Sei o que eu acho, mas também estou tão dentro do projecto... Estou muito curioso.
PAOLO Já tive feedback positivo. Satisfaz-me ver que as pessoas reagem bem ao humor que está no filme. Para mim isso é óptimo. O filme esteve em Itália e vai para outro festival no Reino Unido. Acho que a reacção em Portugal vai ser positiva. São personagens com que é fácil identificarem-se.


Têm outros projectos no cinema?
PAOLO
Sobreviver (risos). Agora estou a trabalhar num novo argumento de outra longa-metragem que se passa em Portugal e na Índia.
NUNO Acabei de gravar outra longa-metragem, Efeitos Secundários, de Paulo Rebelo e no cinema, para já, não tenho projectos confirmados.


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Perfis
Nuno Lopes – o multifacetado
Acabadinho de fazer 30 anos, Nuno Lopes tem alternado como poucos em Portugal (talvez apenas como Nicolau Breyner), entre a comédia e o drama. Formado na Escola Superior de Teatro e Cinema e com diversas formações no estrangeiro, Nuno tem já uma vasta experiência em teatro, televisão (onde trabalhou no Brasil e em Portugal) e cinema. Apesar de termos visto o seu talento para a comédia na televisão (Herman SIC, Diário de Maria e Paraíso Filmes) foram os papéis dramáticos que lhe trouxeram distinções: o Globo de Ouro de Melhor Actor em 2006, pelo filme Alice, o prémio de Melhor Actor no Festival de Cinema Luso-Brasileiro e o de Shooting Star no Festival de Cinema de Berlim.
Nuno está satisfeito até porque «trabalho não falta» e «não tenho parado». «Neste momento estou numa peça na Cornucópia chamada D. Carlos», explicou enquanto rabiscava o seu caderno de apontamentos (sempre presente), antes de iniciarmos esta entrevista, advertindo ainda que termina já no dia 18 de Maio. Mas o maior desafio recente é a série televisiva de sketches humorísticos para a RTP1, Os Contemporâneos, «onde me tenho divertido imenso mas que me tira muito tempo». Até porque Nuno ainda faz locuções publicitárias e, quando pode, é DJ.
No cinema, depois do muito elogiado Alice, de Marco Martins, de ter entrado em Quaresma e Peixe Lua e António, Um Rapaz de Lisboa, fez este Goodnight Irene e acabou de rodar Efeitos Secundários, de Paulo Rebelo. Para já é tudo, «enquanto não se confirmam alguns projectos que lhe foram sugeridos».


Paolo Marinou-Blanco – o poliglota
Tem um nome de origem italiana, pai português, mãe grega e nasceu em Nova Iorque. Mas o carácter internacional de Paolo não se fica por aqui. Saiu de Nova Iorque aos dois anos, onde «nasceu por acaso» e viveu depois na Bélgica, Madeira, Grécia, África do Sul e Macau. Tudo isto porque o pai era delegado da TAP. Aos 18 anos saiu de casa e passou a maior do tempo entre Londres, Nova Iorque e Portugal.
«Inicialmente não ligava ao cinema, interessava-me era o teatro e comecei como actor e depois encenador», explicou Paolo, admitindo que não tinha talento para actor. Depois quis «enriquecer o intelecto» e estudou Filosofia e História em Londres, tendo ainda feito um mestrado em Literatura Francesa. Com 24 anos e graças a ter descoberto o filme Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard, «percebi que queria fazer cinema». Seguiu-se novo périplo de estudos agora em Nova Iorque (de 2000 a 2003), onde teve a ideia e escreveu o Goodnight Irene, que foi rodado em 2005 e estreia esta semana.

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Curiosidade
Nuno Lopes é um estudioso das personagens que interpreta, especialmente no cinema. Para fazer do tímido Bruno, em Goodnight Irene, viu dezenas de filmes e alguns livros. Stalker, de Andrei Tarkovsky, The Conversation, do Francis Ford Coppola, Pickpocket, de Robert Bresson são alguns exemplos, bem como livros do Kafka, até porque o Bruno é «vive muito no seu mundo à parte», e filmes com Philip Seymour Hoffman. Também esteve uma semana a trabalhar na oficina de chaves onde a personagem trabalhava para «perceber o ofício e o universo daquelas pessoas».

Sinopse
Lisboa. Portugal. Hoje em dia. Para Alex e Bruno poderia ser qualquer outra época ou lugar. Alex é um actor inglês falhado, velho e solitário, que grava narrações para vídeos turísticos, e embebeda-se até adormecer. Bruno é um jovem e recatado serralheiro que se dedica à sua obsessão: lutar contra a passagem do tempo, invadindo casas de estranhos para fazer “registos” das suas vidas. Partilham uma obsessão por Irene, uma atraente pintora, que tem toda a paixão pela vida que a eles lhes falta. Mas um dia Irene desaparece, sem deixar rasto... Embora inicialmente contrariados, Alex e Bruno unem forças para descobrir o que lhe aconteceu. À medida que procuram pistas no apartamento de Irene, vão se instalando aos poucos, e uma verdadeira amizade nasce entre estes dois homens solitários. Quando descobrem que Irene poderá estar em perigo em Espanha, este dois heróis improváveis decidem salvá-la.

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