sábado, dezembro 26, 2009
You are as good as the last thing you did
«Na cena mais intensa às tantas estávamos os três a chorar»
Entrevista a Joaquim de Almeida
Aos 52 anos o actor português mais internacional de todos os tempos continua a fazer o que mais gosta «fazer filmes que me cativem». Falámos com o homem que «detesta ter pouco para fazer» e que diz que «tu és tão bom quanto a última coisa que fizeste» a propósito de Longe da Terra Queimada, onde é amante de Kim Basinger.
Como integrou na sua agenda esta sessão para promover este filme?
Tinham-me dito em Cannes que o filme iria sair mais tarde, temos estado em contacto. Eu acabei o filme Chistopher Roth na Roménia no domingo, por isso disse que poderia estar cá para a semana de estreia do filme. Aliás, uma pessoa diz que pode estar esta semana, mas depois há outras pessoas que querem outras coisas. Estou envolvido nisto de Portimão, acabo por ir ao Algarve, por isso acaba por ser uma semana completa. Depois tenho os meus filhos.
Eu também sou uma pessoa bastante activa e que se chateia é de não fazer nada, para mim, o estar ocupado dá-me sempre prazer. Ainda por cima acabei de fazer um filme em que estávamos a trabalhar 12 horas por dia. Mais hora e meia para cada lado, deram 15 horas. Isto ajuda-me a não quebrar o ritmo, porque nós geralmente quando fazemos ao fim de muito tempo sempre muitas pessoas a trabalhar, a trabalhar, de repente sentimos um vácuo. E assim ajuda a mantermos o ritmo continuarmos ocupados a seguir.
Como surgiu o convite do Guillermo Arriaga para fazer este filme?
Disseram-me que o Guillerme gostava de falar comigo para um filme. Eu disse que sim, mas tinha de ser no dia seguinte porque ia para a Europa logo a seguir. Quando me encontrei com ele no Novo México, tinha chegado de Los Angeles, e ele disse-me que tinha andado a falar de mim há não sei quanto tempo. Primeiro disseram-me que estavas a filmar e não te encontrava. Segundo ele explica não conseguia encontrar ninguém como eu. Porque dentro do filme ele fala dos elementos, da Terra, do Fogo, do Ar… e ele queria um homem Terra, e para ele Joaquim de Almeida era um homem Terra. E finalmente ele tentou novamente ver se eu não estaria livre. E por acaso coincidiu que havia uma semana que faltava para a Kim Basinger acabar o trabalho, em que eu poderia fazer porque acabava mesmo antes de filmar La conjura de El Escorial.
E fui-me embora numa sexta-feira, apareci lá sábado. Domingo à noite encontrei-me com a Kim [Basinger] à noite. Ela disse-me “não vamos falar nisto, tu és profissional, fizeste muitos filmes, eu fiz muitos filmes… segunda-feira fazemos aquilo que temos que fazer”. E assim foi.
Tinha falado muito com o Guillermo sobre a personagem e demo-nos muito bem na rodagem. O convite foi para mim uma alegria porque finalmente alguém nos Estados Unidos pede para fazer um filme em que não sou o mau da fita, se bem que não foi um norte-americano, foi um mexicano. Mas estamos a falar de um filme norte-americano, que dá-me oportunidade que as pessoas me vejam agora para outros papéis. Aliás, tenho feito agora ultimamente sem ser maus da fita.
Isto surgiu assim. Encontramo-nos, fomos almoçar. Ele disse-me que o filme era meu. E eu pensei “espera aí, os produtores ainda precisam de aprovar, é melhor não ficar demasiado contente”. Ele ainda ia para o México nesse dia e eu para Los Angeles. Ainda nos metemos no cinema e fomos ver um filme dos Beatles, que ele já tinha visto. Assim foi. Fomos para o aeroporto, bebi uma cerveja ele uma Pepsi Cola, porque ele é viciado nisso, ele foi para um lado e eu fui para o outro.
Rodagem curta para entrar dentro do tempo disponível?
Eu só tenho cenas com a Kim Basinger. Ele [Arriaga] depois disse-me que foi melhor assim porque acabou por filmar as minhas cenas todas numa semana com ela e filmámos cronologicamente em relação ao próprio affair. Portanto isso facilitou porque fomos progredindo como se fosse na vida real.
É a primeira longa-metragem de Arriaga. Sentiu carinho especial por ser a estreia dele?
Senti um carinho especial, primeiro por adorar o guião, segundo por ele me querer. Mas sobretudo o bom foi que…
O Guillermo acabou por fazer o filme com dois directores de fotografia. Um, Robert, fez a parte do Novo México e o outro fez a parte do Oregon. Não foi voluntário. Foi pelas circunstâncias do filme. Ambos se enquadraram bem com o filme. Mas o que eu gostei foi, tendo ele dois directores de fotografia com tanta experiência. Deixou liberdade ao Guillermo de se ocupar com os actores. Que é o que ele gosta. Sobretudo na história que se passa comigo e com a Kim, é transportada da vida real dele e pô-la no filme.
Eu lembro-me de estar a fazer a cena do seio, com a Kim. E às tantas estávamos os três a chorar. Eu olho para o lado e pergunto-lhe “então, estás a chorar?”. E ele responde “Cabron, então e tu?” [risos] E foi comovente porque às tantas estávamos a chorar compulsivamente. É uma história que não é fácil. É uma história sobre a dor, sobre o esquecer, amores proibidos. Sobretudo sobre a rejeição também. As histórias do Guillermo nunca são fáceis. Agora é uma história que eu adorei porque senti a ler aquilo que depois vi no filme. Aquilo obriga a ter atenção ao filme para percebê-lo. Se nos deixamos adormecer 10 minutos talvez não percebamos o que se trata. As histórias são paralelas e para mim houve uma certa alegria quando vi com amigos meus o filme e eles percebem o que se estava a passar – eu já sabia o guião, portanto ia em vantagem.
O filme tem tido reacções totalmente diferentes. Inclusive agora nos Estados Unidos, o LA Times adorou o NY Times detestou, em Itália, França, Espanha, sempre da mesma maneira. Um jornal adora, outro detesta. E dentro do mesmo jornal, um adora outro detesta. Acho que em Portugal vai ser da mesma maneira. Mas pronto, a vida é assim. Mas é um filme que não passa indiferente.
A cena do seio é muito intensa emocionalmente. Houve preparação para uma cena daquelas?
É engraçado, porque para quebrar a tensão, devido às cenas serem tão pesadas, quando se mudava de posição de câmara o Guillermo contava anedotas e ajudava-me muito. A Kim pediu que essa cena fosse feita pela manhã, porque para ela era a mais difícil do filme. Estava muito nervosa, porque sabendo que era biográfica para o Guillermo ela tinha medo de não estar à altura. E só me lembro do Guillermo dizer “ela está a tremer, vamos usar isto, eu preciso disto, não quero que ela relaxe”. E então filmámos com grande rapidez e depois foi engraçado quando acabámos de filmar a cena ela olhou para nós, fez um grande sorriso e disse: “quero contar-vos uma anedota”. E contou uma muito infantil, porque ela tem uma filha de sete anos e é assim que ela é. Ela é uma pessoa muito divertida e de uma fragilidade enorme. Não tem nada a ver com a Charlize Theron, que é toda Maria Rapaz. Ela é muito frágil, até o sol faz-lhe mal. Demo-nos muito bem e acho que ela está muito bem no filme, tem uma performance extraordinária. Quiseram-lhe dar o prémio em Veneza mas não lhe deram porque ela disse que não vinha. Ela não vai a festivais, nem sequer foi à estreia do filme nos Estados Unidos, ela detesta multidões.
Uma semana para gravar tantas cenas é obra…
Foi e é assim. Temos mais de 50 anos, somos actores experientes. Ela própria diz, já fizemos muitos filmes, muitas cenas de câmara e assim foi.
Caminha para a marca dos 100 filmes. O cinema norte-americano é o de eleição, ou diversificar continua a ser palavra de ordem?
Já fiz setenta e tal filmes. Gosto de diversificar, dos EUA à Europa. Gosto de fazer filmes diferentes. Mas o importante é o guião e quando um guião é bom vale a pena. Nós que andamos há muito tempo nisto conhecemos bem os realizadores, fiz mais do que um filme com o mesmo realizador e é sempre para mim um prazer trabalhar com alguém que conheço. Também passamos por épocas em que trabalhamos menos e mais e ajudamo-nos uns aos outros. Não acho o cinema americano o melhor hoje em dia. O cinema independente americano talvez seja dos melhores cinemas. Há realizadores como o Clint Eastwood, que é um cinema com dinheiro mas com um feeling independente. O cinema americano está muito ligado ao cinema de Verão, aos blockbusters. Não me cativam particularmente, a não ser por estrearem no mundo inteiro e darem muito dinheiro. Temos todos de sobreviver e ganhar dinheiro. Mas adoro fazer cinema por fazer cinema. Com um bom guião, um bom realizador e uma boa audiência. É difícil conseguir estas três. Nem sempre um bom guião corresponde a um bom realizador e vice versa. Ce la vie. Nem sempre se vai a um restaurante e como aquilo que se pensava que se ia comer, pronto.
Costuma fazer retrospectiva da sua carreira e pensar nos trabalhos que mais gozo fazer?
Não, não faço, nem penso no passado. Há uma coisa que se diz no cinema, “Tu és tão bom quanto a última coisa que fizeste”. Eu penso naquilo que acabei de fazer, tento sentir-me contente com o que acabei de fazer. Aliás não vi os filmes todos que fiz. Tenho lá vários em casa que continuam selados e alguns vão sendo abertos pelo meu filho. Não vejo as coisas que faço. Tenho prazer em fazê-las. Alguns vejo outros não. Há muitos que até tiveram muito sucesso e não os vi. Ou porque passou o tempo de ir à estreia… e as mini-séries de quatro ou cinco horas não tenho paciência para as ver, ainda por cima apareço muitos anos mais novo.
Ainda há realizadores com quem desejaria trabalhar?
Há tantos. Hoje em dia há tantos realizadores de cinema. Eu adoro realizar com realizadores novos do que com realizadores já famosos. Acho que quando trabalhamos com realizadores novos há… eu quando fiz o filme Desperado, o Robert Rodriguez era uma realizador novo, hoje é um consagrado. Fiz o Che, tive pena de fazer uma parte pequena, num filme onde todos éramos pequenos menos a parte do Che, com o Soderbergh. Adoraria de filmar outra vez com o Soderbergh, gostei dele pessoalmente, da maneira dele trabalhar. Sei lá, há muitos. Eu acho que mais do que tudo, mais do que o realizador interessa o guião, e quando o guião é interessante, é-me indiferente se conheço o realizador ou não. É evidente se é um realizador consagrado melhor, porque já sabemos o que esperar dele. Mas às vezes… o Soderbergh quando fez Sex, Lies and Videotape, foi o primeiro filme dele e ganhou Cannes e seguramente nenhum dos actores estava à espera que o sucesso fosse dessa maneira. O futuro ninguém o pode prever. Ainda agora vi o último filme do Tarantino e vi um amigo meu, Christopher Waltz, que eu não via há anos… a última vez que tinha visto foi quando deixou a minha casa, porque esteve a viver comigo durante um ano, porque tinhamos estudado juntos. E agora vejo num filme de Tarantino e ganhou o Melhor Actor de Cannes e agora já tem outros filmes para fazer. Desde que o deixei até agora nunca ouvi falar dele, porque ele tem feito uma carreira, sei lá, na Alemanha porque não conseguiu ter uma carreira internacional. Está a ver, nunca é tarde para ser ter uma carreira internacional e ganhar prémios. Basta um filme.
Esta semana estreia ao mesmo tempo que o Longe da Terra Queimada dois grandes blockbusters, a animação da Disney Força G e o remake Fama. Que conselhos daria ao púbico português para ir espreitar este drama?
Para já não sei como está classificado este filme, mas deve ser para maiores de 18 anos. Portanto, estamos já a tirar grande parte do público possível. Não é um filme que as pessoas vão ver duas, três vezes, não é um filme como o Fama, que entretém. Isto é um filme para quem gosta de Cinema, para quem gosta de pensar e para quem gosta de ver bom Cinema. É um filme também muito mais dedicado para uma faixa etária, eu diria dos 25 aos 75. Não tanto para os jovens… acho que não há competição entre estes filmes. São filmes com propósitos diferentes, diametralmente opostos.
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