terça-feira, junho 12, 2007
"É uma menina, vamos ter uma pequena menina... Pai?"
Há pequenos momentos em filmes que tocam mais do que outros. Uma simples parte de diálogo, com poucas palavras, pode ter um impacto no espectador impressionante.
No caso concreto do filme The Last Kiss, o subplot sobre os pais da namorada do protagonista (que é Zach Braff), que está grávida, é de uma intensidade digna de registo. Assistimos à história de duas pessoas de meia-idade acomodadas ao seu estilo de vida monótono. Até que a mulher (Blythe Danner) começa a acusar a monotonia e da indiferença do marido (Tom Wilkinson). Quer que ele note nela, tenha encanto por ela, reaja perante ela. Ele é um psicólogo que vive com esta mulher há décadas e que está muito acomodado à sua vida, com poucas emoções.
A mulher embirra com o marido, tenta provocá-lo, sem grande reacção dele. Decide ir ver um amante (Harold Ramis) que teve há vários anos e por quem não quis abandonar o marido (que não sabe de nada). Só que ele, apesar de se notar que ainda tem sentimentos por ela, está casado com uma mulher muito mais nova e com um filho... ela desiste logo de seguir aquele impulso e vai, desvairada, ao consultório do marido.
Entra à bruta no escritório enquanto ele dá uma consulta a uma paciente e diz-lhe com todas as letras: "Fodi outro homem, meti-te os cornos!".
Ele sai do escritório com ela, com a paciente ainda perplexa. E pergunta-lhe o que é que se passa.
Ao que ela responde que ele não reage, não é uma pessoa de carne e osso e ela precisa de alguém humano... e que vai viver com o amante... e sai.
Neste desmoronar de uma vida construida ao longo de décadas, a filha do casal liga para o pai (depois da mãe lhe contar tudo) a perguntar o que se passa. Ele explica que a mãe está perturbada. A filha quer ir ter com a família, o pai diz que não, que ela tem a gravidez para cuidar. Ela quer ir na mesma.
Quando já estão para desligar... a filha diz:
"Papá...
- Sim.
- É uma menina, vamos ter uma pequena menina... Pai?"
O homem começa a chorar ao telefone, sem emitir nenhum som para a filha não perceber e diz...
- "Estou tão feliz."
Este, sim, é um momento incrível de uma emoção construída ao longo de cenas sobre a vida... num belo filme, claro está.
Comments:
Para mim, uma das melhores surpresas dos últimos tempos.
“O Último Beijo” é uma adaptação inteligente, divertida e penetrante de uma obra que só interessa ao espectador mais dotado de inteligência emocional e experiência relacional. Isto porque é um filme que, com os demais exemplos interpessoais que cada um dos casais representa, engendra e engenha um processo de identificação da testemunha do acto com o sujeito do “crime”. Desta forma, não será tarefa árdua compreender que “The Last Kiss” não deve ser visto com “a outra metade”, de forma a evitar um percurso de caminhos inevitáveis de confronto e comparação, que certamente levantarão as mais desairosas questões.
E desengane-se quem pensa que “O Último Beijo” é uma comédia romântica, tal como vem apelidado nas sinopses de jornais e revistas, e como aliás, o próprio título parece indicar. É sim, um drama intenso, com toques aqui e ali de comédia – quase todos de Braff -, que explora de forma quase irrepreensível e imaculada a peculiar ignorância que cada um de nós absorve durante a nossa juventude/maturação sobre aquilo que realmente importa nas nossas vidas. De forma pungente e compassiva, com coração, alguns sorrisos e um elenco sólido e sumptuoso, onde naturalmente Zach Braff merece especial destaque. Uma fita cinematográfica cheia de intenção, com uma narrativa reconhecida em centenas de outras películas – mas que mesmo assim triunfa de forma original - e que certamente irá suscitar opiniões e avaliações extremistas. Para uns será comovente e dolorosamente real. Para outros, não será nada mais do que hora e meia de acção insuportável e extremamente aborrecida. A Arte a imitar a Vida tal como ela é.
Cumprimentos!
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“O Último Beijo” é uma adaptação inteligente, divertida e penetrante de uma obra que só interessa ao espectador mais dotado de inteligência emocional e experiência relacional. Isto porque é um filme que, com os demais exemplos interpessoais que cada um dos casais representa, engendra e engenha um processo de identificação da testemunha do acto com o sujeito do “crime”. Desta forma, não será tarefa árdua compreender que “The Last Kiss” não deve ser visto com “a outra metade”, de forma a evitar um percurso de caminhos inevitáveis de confronto e comparação, que certamente levantarão as mais desairosas questões.
E desengane-se quem pensa que “O Último Beijo” é uma comédia romântica, tal como vem apelidado nas sinopses de jornais e revistas, e como aliás, o próprio título parece indicar. É sim, um drama intenso, com toques aqui e ali de comédia – quase todos de Braff -, que explora de forma quase irrepreensível e imaculada a peculiar ignorância que cada um de nós absorve durante a nossa juventude/maturação sobre aquilo que realmente importa nas nossas vidas. De forma pungente e compassiva, com coração, alguns sorrisos e um elenco sólido e sumptuoso, onde naturalmente Zach Braff merece especial destaque. Uma fita cinematográfica cheia de intenção, com uma narrativa reconhecida em centenas de outras películas – mas que mesmo assim triunfa de forma original - e que certamente irá suscitar opiniões e avaliações extremistas. Para uns será comovente e dolorosamente real. Para outros, não será nada mais do que hora e meia de acção insuportável e extremamente aborrecida. A Arte a imitar a Vida tal como ela é.
Cumprimentos!