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sábado, janeiro 14, 2006

Jarhead 


Loucura na quase guerra
Máquina Zero.
Quem esteve na Tempestade do Deserto, nunca sairá dela. Esta é uma das conclusões do novo filme do realizador luso descendente Sam Mendes, mas a virtude está mais na tensão no deserto de uma guerra que não chega. Bem-vindo à Nojeira.

Por João Tomé

Vamos alguma vez matar alguém? É a questão que um dos jovens marines coloca aos companheiros Jarhead – termo de origem inicialmente depreciativa com que os marines se definem e nome original da película – já para o final do filme e essa é a génese da história de guerra, onde não há guerra. O novo filme de Sam Mendes é inspirado num livro best seller do marine Anthony Swofford, em que relata a experiência «inesquecível» e desorientada que teve durante a primeira Guerra do Golfo, na operação Tempestade no Deserto. A perspectiva que o Sam Mendes parece incutir é a história menos retratada de uma guerra que foi transmitida em directo para o mundo - o José Rodrigues dos Santos deve-se lembrar bem desses momentos. Apesar de o filme mostrar mesmo situações em que os soldados são filmados pelos media, seja para enviarem mensagens para a família, namoradas, esposas e amigos, seja para retratarem o seu dia-a-dia, a mensagem parece ser clara: nem tudo o que os soldados diziam às televisões era o que sentiam (havia pressões superiores para não demonstrarem descontentamentos, tensões e angústias). Para lá das câmaras de televisão e até da verdadeira guerra, viveram-se momentos intensos e pré-guerra, uma tensão intensa de muito nada.





A história real, o filme difícil
Embora seja um filme que se passa numa guerra, as situações retratadas são estranhas e diferentes do habitual, fazendo desta história mais sobre tensão, desespero e experiências de limite e loucura. O actor promissor Jake Gillenhal – que tem sido dos mais requisitados dos últimos tempos – dá corpo e mente a Swoff que passa de um marine ocupado com a namorada, o futuro e o emprego de militar, para uma máquina à espera de uma oportunidade para matar.
Com o começo da invasão do Kuwait pelo Iraque, Swoff é dos primeiros a partir para a Arábia Saudita depois de uma formação específica intensa, em que se tornou num atirador exímio e viu ainda um dos seus colegas morrer num exercício com munições reais.
A comandá-los está o implacável Sargento Sykes, interpretado pelo oscarizado Jamie Foxx. O início do filme faz lembrar a brutalidade militar vista em filmes como Oficial e Cavalheiro (1982). Aliás, a personagem de Jamie Foxx faz lembrar em muito, pelo menos na parte inicial do filme, o sargento negro Sgt. Emil Foley. Mas o ambiente circundante e no seio dos soldados muda radicalmente quando se entra no deserto agreste da Arábia Saudita. Nos primeiros meses os soldados vão fazendo exercícios intensos com inimigos, minas e armas imaginárias.



Agarrados à sua, fiel, arma com a tensão de uma guerra potencialmente química iminente e confusos, os jovens a rondar os 20 anos usam o desejo pelo que não têm presente, o sexo e as mulheres, como tema central do seu dia a dia. A masturbação é, por isso, a coisas mais usual possível, necessária diariamente e reconhecida pelos superiores.

Depois começam a dar largas às suas explosões hormonais (com a masturbação no TOPO da lista), vão perdendo namoradas, que deixam de esperar por eles, e perdem também a sanidade mental, num ambiente de muito “nada” onde tudo é vivido com grande intensidade. O próprio Swoff entra em momentos de loucura com a falta de acção que os circunda, começa a desesperar por acção e a criar acção negativa à força, o que resulta em momentos de alteração psicológica que o leva a ameaçar de morte colegas por motivo nenhum aparente. Trata-se aqui de um herói (protagonista) que não herói, mas com quem acaba-se por simpatizar facilmente no inicio, com menor facilidade no meio e novamente com relativa facilidade no fim. Por isso mesmo não cumpre as regras de blockbusters, e ainda bem, mas mesmo assim não se trata de um filme de excepção, mas sim de um filme bem pertinente que resulta para o que se propôs, com uma realização muito competente e interpretações adequadas.
Ao lado de Swoff está quase sempre Troy, que deseja mais do que tudo ser Marine – interpretado pelo namorado da irmã de Gyllenhal, Peter Sarsgaard -, ao contrário de Swoff, que se envolve em ser Jarhead, mas deseja bem mais estar longe de tudo aquilo aliás as duas personagens variam entre a amizade e a tensão hostil um com o outro, a ilustrar os momentos de falta de lucidez que se viveram. Existe uma dicotomia entre os soldados clara, aqueles que querem mais do que tudo ser Jarheads, sentem-se alguém no meio da união, da despersonalização e código do "core", e os outros que desejam cumprir a tarefa e seguir com as suas vidas... em ambos os casos, no cenário de guerra no meio do deserto só se pensa em "Hurrah!!". Outra personagem característica dos meios de guerra ou militares é o Tenente-coronel Kazinski, interpretado pelo carismático Chris Cooper. É uma personagem típica na medida em que usa frequentemente piadas sexuais - o mais usual nestes meios - para incentivar os soldados, nomeadamente na hora de "foder Saddam". Acaba por aparecer pouco, mas é outra personagem imprescindível que resulta.

Os melhores momentos do filme acabam por ser os momentos peculiares de stress, fadiga e impaciência vividos pelos jovens marines, em particular por Swoff. De guerra apenas se vivem quatros dias, mas de pouca acção e nenhuma luta com o “inimigo”. O verdadeiro inimigo aqui parecem ser as mentes dos jovens soldados e de quem as “educou”.

Filmes que inspiram soldados
Importante são também as constantes recordações e inspirações dos jovens soldados nos filmes norte-americanos de guerra. Apocalipse Now, O Caçador acabam por marcar presença assim como, por exemplo, uma célebre música dos The Doors, que se celebrizou na guerra do Vietnam - neste caso os jovens parecem querer distanciar-se da memória do Vietnam, querendo incutir um pouco a cultura musical mais recente do hip hop. Aliás a banda sonora é um dos pontos fortes deste filme, existe mesmo uma batida que também faz parte do trailer do filmes, que é tão intensa quanto a tensão que os jovens soldados sentiam.
Pior é, sem dúvida, o tédio que eles vivem, que acaba por passar um pouco para o espectador e esse é o ponto mais negativo de um filme com interpretações fortes e uma mensagem ambígua.

CLASSIFICAÇÃO: 3/5
De: Sam Mendes
Com: Jake Gyllenhaal, Jamie Foxx, Peter Sarsgaard, Chris Cooper
Género: Acção/Guerra/Comédia/Drama
Distribuição: Lusomundo
EUA, 2005
123 minutos

Jarhead
Ficha IMDb

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CRÍTICAS POLÍTICAS
O filme acabou por ser criticado nos Estados Unidos por procurar distanciar-se de uma mensagem política, distanciando-se também da Guerra no Iraque actual, mas isso não parece um ponto a desfavor, mas sim uma opção válida relacionada também com o livro original do soldado Anthony Swofford.

MOMENTO
Um dos momentos mais fortes - excluindo aqui aqueles de loucura do nada - é quando os marines entram em quase-guerra, depois de três meses à espera no deserto. Quando pensam que vão finalmente ter a acção por que já desesperam, primeiro encontram vários carros dizimados pelos próprios iraquianos, com corpos carborizados, numa imagem impressionante que afecta Swoff, demonstrando claramente que, apesar de serem treinados para ser máquinas de guerra, nunca tinham estado em verdadeiro estado de guerra, morte brutal. De realçar é também o momento que se segue, da chuva de petróleo, depois dos iraquianos terem incendiado os poços do Kuwait. Aí surge um cavalo que esteve prestes a ser dizimado por um dos marines sedento por sangue, Swoff evita o que parecia inevitável - é aí o momento em que se verifica as diferenças reais entre os homens que compõem os marines, antes parecem todos muito iguais uns aos outros.

APOCALIPSE DO GOLFO
O nome é sugestivo e propositado, Jarhead faz lembrar em certos aspectos, especialmente naqueles ligados à insanidade momentânea, Apocalipse Now, mas é apenas na perspectiva do que os soldados vivem consigo próprios, as instabilidades emocionais por que passam, é como um pequeno apocalipse se verificasse ali, no meio de tanto nada, mas ao mesmo tempo tanto pensamento e pressão. Uma das ideias fundamentais deste filme é que, apesar de não terem experienciado a guerra em si mesma, aqueles soldados nunca mais vão sair daquele deserto, há uma parte deles que se mantém ali, alerta - é exactamente o que diz a personagem de Swoff no final do filme e é essa a conclusão óbvia.

Críticas:
"The best war movies -- and this one, despite its being overlong and repetitive, is among them -- hold that men fight (or in this case, are ready to fight) not for causes, but to survive and to help their comrades do the same."
Richard Schickel, TIME MAGAZINE - POSITIVA

"Jarhead is a movie that walks up to some of the most urgent and painful issues of our present circumstance, clears its throat loudly and says nothing."
A.O. Scott, NEW YORK TIMES - NEGATIVA

This is the new kind of war, where you don't see the enemy until you stumble across his charred body. This is Jarhead. It's not epic. It's really sort of a cat-and-mouse game.
Steve Head, IGN.com - POSITIVA



Gyllenhal, Swoff, num dos momentos em que é castigado e vai limpar as latrinas nojentas depois de ter desafiado ordens. Aqui encontram-se imagens da preparação dos actores.

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