quinta-feira, março 24, 2005
Um Tiro no Escuro
Um thriller policial português
Depois de um início de carreira com filmes como A Sombra dos Abutres e a série de televisão Ballet Rose – Vidas Proibidas, Leonel Vieira tornou-se conhecido por alguns dos filmes portugueses mais bem sucedidos junto do público. Zona J (1998) foi um deles, assim como A Selva (2002). Agora com Um Tiro no Escuro – protagonizado por Joaquim de Almeida e a estreante brasileira Vanessa Machado – o realizador surge com mais um filme assumidamente «para ser visto», com traços de thriller e suspense. O MagaCINE falou com o realizador, com a protagonista brasileira Vanessa Machado e com um dos assaltantes do bando, Filipe Duarte - estes dois último coloco em breve, para já apenas a Leonel Vieira.
Por João Tomé - versão integral e completa, de uma versão muito reduzida publicada no jornal Destak (24 Março 2005)
«Fazer coisas diferentes o alimento para a minha inquietação»
Leonel Vieira – Realizador
Como chegou a este projecto. O que o levou a escolher esta história?
Começou no processo que querer diversidade, abordagens diferentes na forma de contar uma história, na forma de filmar. Gosto de desafiar-me a mim mesmo, a contar as histórias de forma diferente. E depois, “puxei” para o thriller policial na forma de contar. Fazer coisas diferentes é quase o alimento para a minha inquietação. Para evoluir tenho de fazer coisas menos habituais. Mais do mesmo deixa-me muito frustrado e não me motiva. Se compararem os meus cinco filmes, não se parecem nada. Este filme vem de encontro a isto.
Ao querer fazer algo diferente quer também quebrar algumas barreiras a que o cinema português pode estar preso?
Eu gosto muito de quebrar barreiras. Quando dizem que não se pode fazer, eu faço, ou tento fazer. Quando dizem que determinado tipo de cinema não funciona cá e não dá para fazer, não entendo porquê. É necessário quebrar barreiras e tabus, e há-que não ter medo disso.
O cinema português está mais catalogado como cinema de autor. É essa barreira que também quer quebrar?
Tanto o público português como o estrangeiro apenas reconhece o cinema português, como cinema de autor. Mas há outras formas de se fazer, que são legítimas.
Eu não digo a ninguém que filmes tem que fazer. Eu escolho os meus. Mas temos de pensar que não é o público que é estúpido, somos nós que não contamos as histórias certas para levar esse público em massa às salas. Temos de repensar o fenómeno. Mas muitos não pensam.
Pegar num história em que uma brasileira se vê obrigada a fazer strip em Portugal para sobreviver é também falar numa realidade muito actual. Essa actualidade atraiu-o para o guião?
Dificilmente um filme meu pega num pano de fundo, que não seja credível e que não se passe na nossa sociedade. E este guião fala desses aspectos reais que eu gosto no meu cinema. Têm de ser exemplos que sejam identificáveis com a realidade. Depois não faço documentários sobre isso, faço ficção e transformo a situação num género.
Tem um protagonista e uma protagonista. Uma jovem estreante brasileira e um dos actores portugueses mais experientes. Acha que é importante para este filme a experiência e reputação de Joaquim de Almeida?
Tudo isso são aspectos positivos, por isso jamais podem prejudicar. É sempre importante a reputação, se ela é boa, e acima de tudo é muito importante a experiência. E, de facto, o Joaquim de Almeida tem uma experiência muito grande, que depois se transforma numa fantástica forma de trabalho para o realizador. Gostei muito de trabalhar com ele porque só mesmo estando lá é que se percebe o que ajuda a experiência que ele tem nas cenas. É gratificante. Mas a Vanessa também esteve à altura.
O facto de haver muita acção, o desespero desta mãe e a própria passagem para stripper exigiu muito da equipa?
Tudo nos obriga a concentração. Esta é a arte da mentira e obriga-nos a momentos de grande concentração. E muitas vezes temos momentos de grande tensão e outros de pura descontracção. O cinema é uma arte mágica, de construção e não existe um código, ou uma fórmula, existem 30 mil fórmulas. O importante sempre é o resultado que está dentro do plano. Podemos utilizar qualquer técnica, qualquer teoria para chegar ao resultado. Só não vale matar alguém.
Tem realizadores de referência, ou que admira e segue em certos aspectos? Estava a falar na forma como se pode utilizar tudo para que o plano fique como se quer. Faz lembrar um realizador que usa os métodos ortodoxos para a perfeição das cenas, David Fincher.
Gosto muito de Fincher. Vejo todo o tipo de cinema, mas um realizador que para mim é de referência é o Scorcese. Já o disse em muitas entrevistas, tenho uma grande admiração por ele, independentemente depois se gosto mais ou menos dos filmes. Os irmãos Coen são outros dos realizadores que eu adoro. Se eu pudesse, seria esse o cinema que eu gostava de fazer.
Gosta de situações e personagens muito caricatas?
Gosto muito. Os irmãos Coen conseguem trazer caricaturas que nós achamos que aquilo não é irreal no mundo deles. Está sempre ali no limiar, há sempre possibilidades de existirem. Nós temos tendência a ver os mafiosos como aparecem no Padrinho, do Coppola, muito sérios. Mas os Coen constroem os mafiosos completamente ao contrário. São quase caricatos e tremendamente violentos – muito reais e humanos. Este trabalho de brincar-se com a amplitude de registos, continuarem a ser credíveis e terem uma âncora na realidade é um cinema que eu gosto muito.
Não teve nenhuma dificuldade nas filmagens em Portugal?
Não. Hoje há estruturas que funcionam bastante bem em Portugal. A equipa brasileira que estava connosco, dizia que nós parecíamos uma equipa mesmo à séria. É um falso conceito pensar que filmar em Portugal é difícil. Eu trabalho com filmes que têm sequências ambiciosas e complicadas, mas consegue-se sempre. Filmámos muitas cenas no aeroporto, mesmo dentro da parte móvel, sempre cheia de gente. E estão lá no filme.
Improvisa muito no decorrer da filmagem?
Muito. Eu tenho as ideias muito claras de manhã cedo. Sei exactamente o que vou filmar, mas ao longo do dia estou sempre a improvisar. São ideias claras que altero constantemente. Estou sempre disposto a alterar planificação. Mas de manhã sei sempre o que vou fazer, mas acabo por alterar.
Quais os projectos que tem a médio prazo?
Vou fazer o filme Naturezas Mortas, que devo filmar este Verão. Está em pré-produção. Trata-se de uma comédia negra de acção. Já tem protagonistas, mas ainda não estão fechados os contratos, por isso, não posso dizer. É uma co-produção muito grande com Espanha, onde eles participam com muito dinheiro. Vamos fazer um filme que surpreenda também o público. É passado em Espanha e Portugal, mas também num deserto, provavelmente vou filmar no deserto do México. Por várias aspectos, a estética, a nível artístico.
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