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sexta-feira, outubro 14, 2005

Last Days 

Cobain camuflado

Last Days - Últimos Dias. Entre a monotonia das paisagens e dos ambientes parados e o forte simbolismo, temos oportunidade de experienciar um filme complexo na sua simplicidade com traços de experimentalismo audaz de Gus Van Sant e que não agradará a todos.

João Tomé - versão integral daquela que saiu no jornal Destak

Nirvana. Assim como o nome da mítica banda dos anos 90, que se tornou num ícone de uma geração com problemas de afirmação numa altura em que as grandes revoltas pareciam estar todas feitas, o filme que procura retratar, entre a ficção e os factos Kurt Cobain, tem vários significados no meio de muito vazio.
Gus Van Sant, tal como em Gerry e Elephant, volta a trazer-nos uma história polémica e sobre morte, vista agora de uma forma bem mais simbólica, com tons de meditação ou até de poesia, como o próprio reconheceu em Cannes. Agora também existem bem menos personagens e acção – tudo é centrado em Blake, o nome dado à personagem totalmente inspirada em Kurt Cobain –, passado num espaço de tempo também mais limitado. As repetições de cenas, vistas de pontos de vista diferentes voltam a ser uma das suas imagens de marca (como se viu em Elephant), assim como a forma de filmar os espaços e o movimento, deixando o actor passar em frente da câmara, raramente a movimentando (pouca utilização da técnica da panorâmica).
«Sempre me perguntei, desde 1994, como terão sido as últimas horas de Kurt Cobain antes do seu suicídio», diz o realizador nas notas de produção do filme. Foi esse questionamento que o levou a pegar em algumas ideias antigas e criar esta história, já depois de ter encontrado uma casa que considerava semelhante à de Kurt e Courtney Love, no início dos anos 90. Van Sant reuniu assim os detalhes que pareciam aos outros mais insignificantes para construir este enredo simbólico. Ele partiu desses detalhes, dos últimos momentos de vida do ícone de uma geração e do grunge, vindo de Seattle - ou pelos menos da forma como imaginava esses últimos momentos, de que ninguém sabe com pormenor e realísticamente.





Em Last Days, Michael Pitt, o jovem norte-americano que protagonizou o filme Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, aparece com roupas, cabelo, barba, magreza e muita decadência, em tudo igual aos últimos dias de Kurt Cobain.
O seu nome é Blake, visto que a história é ficção, como alerta o autor no final do filme, na mesma altura em que o dedica a Kurt Cobain. No início, quem saiba menos sobre a história pode sentir-se perdido. Blake aparece num bosque. Sozinho. Deambulando aparentemente sem destino. Assistimos, assim, aos últimos dias deste jovem rocker talentoso, mas com sérias perturbações e demónios interiores, que tanto o inspiram, como o destroem.
Blake vive numa casa no grande campo [Kurt Cobain comprava grandes mansões que acabava por deixar quase vazias, como se vê aqui também], afastado a todo o custo das pessoas, sejam elas quem for, das responsabilidades, do conforto, da comida, de agentes e amigos, que o tentam contactar sem sucesso. Tal como aconteceu a Jim Morrison, a degradação da estrela de rock é clara, assim como o cliché da estrela de rock viciada em drogas e com sérios problemas, mas o filme sobre o mítico líder dos Doors (de Oliver Stone) é mais movimentado, pretende ser uma retrospectiva da carreira do cantor (um biópico), até à sua morte.

Aqui vivemos num lugar tão particular no tempo que não assistimos às confusões, drogas, álcool e problemas familiares, apenas ao resultado de todos esses ingredientes juntos e em excesso.
Os sentidos em Blake são apurados e ouvimos constantes sons vindos do bosque, de uma igreja. Sons que mais parecem memórias a passar pela mente de Blake, a que temos acesso, como se estivéssemos, de certa forma, dentro da sua cabeça. Embora nem sempre seja fácil compreendê-lo, esse é um dos maiores desafios do filme, é preciso querer compreendê-lo e aceitar aquela realidade, daí não ser um filme fácil. As outras personagens são claramente secundárias, o objecto de estudo de Gus Van Sant é mesmo Kurt Cobain, aqui de nome Blake, filmando de uma forma poética e em grande parte muito abstracta.
Os momentos mais movimentados e intensos do filme (mesmo assim muito 'leves') vêm mais para o final. Quando assistimos a Blake compor músicas, sentimos o seu talento, e a sua unicidade - ouve-se mesmo ele a cantar um pouco, um dos momentos mais fortes do filme (a voz é mesmo a de Cobain). Em pano de fundo vemos alguns dos membros da sua banda, representados com alguma crueldade, visto que ignoram Blake e não pensam em ajudá-lo. No fim, o destino já sabido: a morte chega em contornos muito pouco explicados, assim como aconteceu com Kurt Cobain. Uma retrospectiva interessante e diferente de todas as biografias passadas para o cinema recentes, mas a monotonia das cenas faz com que se torne num filme 'difícil' e cuja aceitação esteja dependente da pré-disposição que se tenha para entrar neste mundo, no bosque, mas ao mesmo tempo tão subtilmente dentro de Cobain.

De: Gus Van Sant
Com: Michael Pitt, Lukas Haas, Asia Argento, Scott Green, Nicole Vicius
Género: Drama
Origem: EUA, 2005
97 minutos
www.lastdaysmovie.com



«Sempre me perguntei, desde 1994, como terão sido as últimas horas de Kurt Cobain antes do seu suicídio. No início dos anos 90, depois de realizar MY OWN PRIVATE IDAHO, escolhi uma casa em Portland que se parecia muito com a de Kurt e de Courtney em Seattle. A minha era na parte mais alta da cidade, a deles ao pé de um lago, mas eram as duas casas burguesas do início do século, marcadas por uma arquitectura semelhante. O primeiro impulso do filme está aí, nessa casa, na casa dos últimos dias de Kurt, e na casa, demasiado grande para mim, em que eu não parava de andar à voltas. Estava sempre a dizer que aquela casa não era para mim. Do alto da colina, dominava Portland, e eu pensava que era ridículo ter comprado um sinal tão evidente de sucesso social. Talvez Kurt também se sentisse assim mal por comprar casas grandes, cheias de espaço e com divisões que não acabavam mais.»
Gus Van Sant


Monotonia, campo e simbolismo que não interessará a todos. Uma arte que necessita de motivação extra para ser apreciada.


Comments:
Prometia tanto, mas afinal apenas desilude. Está bem filmado, mas a monotonia inultrapassável torna-o num mau filme...
 
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